O nome parece inocente, mas os relatos de um jogo apelidado de Baleia Azul têm preocupado os brasileiros por causa dos casos de suicídio – ou de tentativa de suicídio – supostamente ligados à “brincadeira”. Pelo menos três Estados registraram ocorrências do tipo: Mato Grosso, Minas Gerais e Paraíba.
Segundo relatos, a ideia do jogo, que tem os adolescentes como alvo principal, é lançar 50 desafios aos participantes via mensagens de WhatsApp – muitos deles requereriam automutilação e incentivariam os jovens a se colocar em situação de perigo. O último seria tirar a própria vida.
Diante da “popularidade” do Baleia Azul, o youtuber Felipe Neto, que tem mais de 10 milhões de seguidores no YouTube, gravou um vídeo para alertar as pessoas – mas não sobre o jogo, que ele chama de “consequência”, mas sobre o real problema que leva as pessoas a cometerem suicídio.
“Quero trazer coisas aqui muito importantes sobre o mundo da depressão de fato. Que é muito mais importante do que o jogo. O jogo é um assunto sério, que precisa ser debatido. Mas o que é esse jogo? Vocês acham que o jogo da Baleia Azul é o responsável pela morte desses jovens? Eu não gostaria de acreditar que alguém saudável, estável psicologicamente jogue um jogo desses e termine se matando”, diz Neto no vídeo, que já teve mais de 4,6 milhões de visualizações e quase meio milhão de comentários.
Em entrevista à BBC Brasil, Felipe Neto, diagnosticado com depressão há sete anos, reiterou a importância de se aproveitar o momento em que o tema do suicídio vem à tona para falar sobre suas reais causas.
“A depressão e os transtornos mentais reagem a determinados gatilhos, que podem vir de uma série, de uma conversa, de uma palestra, de um jogo. O que eu acho importante é entender que o jogo em si é consequência, não é causa. Não acho que uma pessoa saudável mentalmente se mate por diversão. Isso é a consequência, e temos que tratar a causa”, afirmou.

Silêncio e preconceito

Felipe Neto descobriu que tinha depressão após crises de ansiedade e de pânico o levarem a procurar ajuda clínica. Por ser filho de um psicólogo, ele teve um pouco mais de facilidade para identificar e lidar com a doença.
“Eu tive a sorte de ter contato com a Psicologia e com informação. As pessoas não têm a mesma sorte”, observa à BBC Brasil.
Mesmo sabendo, de certa forma, lidar com o problema, Neto demorou para revelá-lo a seus pais – e foram poucos os amigos que souberam.
“Dá vergonha, você não quer falar do assunto. Senão as pessoas vão querer dar pitaco, vão dizer que é coisa da tua cabeça. Acabou que eu não contava.”
“As pessoas passam a olhar pra você diferente, porque ‘ah, essa pessoa tem depressão’. Eu tenho depressão, é um caso leve, eu tomo um remédio que nem tarja preta é, e nunca tive problemas, minha última crise foi meses atrás. Mas esse estereótipo, esse preconceito, essa visão deturpada e classificá-la como uma pessoa problemática faz com que as pessoas não queiram falar sobre essa doença ou admiti-la.”
Quanto mais as pessoas se calam e se isolam quanto a um problema sério como a depressão, maior se torna o risco de a doença ter consequências mais graves, como o suicídio, conforme alerta a Associação Brasileira de Psiquiatria.
Para a coordenadora da comissão de estudo e prevenção de suicídio da entidade, Alexandrina Meleiro, é preciso aproveitar o fato de os relatos do jogo Baleia Azul e o lançamento da série da Netflix 13 Reasons Why, que também trata de suicídio, terem trazido o tema à tona para combater os preconceitos e os tabus atrelados a ele.
“Eu acho bom que esse seja o assunto da moda no momento, porque (a abordagem de) um assunto tão cheio de tabu, de preconceito e de estigma traz à tona a importância de a gente olhar para os jovens que estão sob risco, para que a gente possa reverter a situação e fazer a prevenção”, diz à BBC Brasil.
“Sabemos que, por causa da série do Netflix e do jogo da Baleia Azul, quase quadruplicou o número de ligações no CVV (Centro de Valorização da Vida) nos últimos 15 a 20 dias”, acrescenta a especialista.
“No WhatsApp, recebemos muitas mensagens sobre adolescentes se matando por conta do jogo da Baleia Azul, mas não há dados, então não temos como saber exatamente o que está acontecendo”, resalva.
“É preocupante, e estamos aproveitando para esclarecer para pais, professores e para outros profissionais em saúde a importância de não banalizar o risco de suicídio e de identificar precocemente as mudanças de comportamento do adolescente para poder interferir e ajudar.”
Para Felipe Neto, a desqualificação da depressão, que muitas vezes é chamada “doença de rico”, agrava ainda mais o problema – e contribui para o silêncio das vítimas.
“O preconceito é a base do silêncio dessas pessoas. É preciso gerar vergonha naqueles que estão sendo preconceituosos. Pode ter certeza que nos comentários dessa matéria vão aparecer pessoas preconceituosas minimizando e desqualificando pessoas depressivas. Essas pessoas precisam perceber o tamanho da sua ignorância.”


Indícios

No vídeo, o youtuber alerta os pais de que o jogo Baleia Azul não deve ser a maior preocupação deles no momento.
“Vejo muita gente falando: porque o jogo matou, cuidado com seu filho jogando. Mas cuidado com seu filho. Antes de se preocupar com o jogo, você tem que se preocupar com ele. O jogo é uma consequência de pessoas que estão passando por problemas. Um problema silencioso sobre o qual muitas pessoas no mundo não gostam de falar.”
A coordenadora da Associação Brasileira de Psiquiatria afirma que é preciso estar atento à mudança de comportamento para identificar sinais de depressão ou de possíveis distúrbios mentais que possam levar ao suicídio.
“A primeira coisa que nos chama a atenção é a mudança de comportamento. Ou está mais agressivo, mais fechado, mais isolado. Alguma coisa pode ter mudado, mesmo que o adolescente já seja tímido. Está aparentando mais tristeza, já não toma banho, não sai com os amigos, não interaje. Pais e professores têm que estar alerta.”
Mas, uma vez identificados sintomas, como os pais ou as pessoas próximas devem agir? O conselho de Felipe Neto é: procurar ajuda profissional.
“Acho que a primeira coisa que o pai ou mãe têm que fazer se encontrar indício é procurar psicólogo para ele (o pai e/ou a mãe). O pai fazer terapia é tão importante quanto o filho. Porque se os pais não souberem lidar com a depressão do filho, o filho não vai conseguir sair dessa sem ajuda deles”, diz.
Também é importante mostrar a essas pessoas que elas não estão sozinhas, lembra Neto. “É preciso dizer que não é impossível sair dessa fossa que estão, que não é tão difícil quanto parece. Que elas só têm que dar a mão para alguém ajudar.”
Conscientizar, educar e prevenir seriam as melhores armas para combater a depressão e sua pior consequência – o suicídio -, explica Alexandrina Meleiro. Pensar ou desejar a morte não é “anormal” ou necessariamente problemático – mas passar disso para um planejamento de execução, ela esclarece, é sinal de alerta.
“Ter pensamentos suicidas é natural. Em qualquer momento da vida, as pessoas podem ter a ideia de morte: ‘Eu quero morrer’. Mas, da ideia, pode vir o desejo de se matar e o plano de se matar e o ato de se matar. São momentos diferentes”, diz.
“Dessa fase para o planejamento e a execução existem passos muito largos – que uma pessoa impulsiva pode executar rapidamente. É nesse tempo que temos que identificar, interferir e prevenir.”

Fonte: G1

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