700 mil jovens cearenses não estudam, não trabalham e não procuram emprego

A primeira negação é a do nome – a identificação, o ser completo – por estar em uma área de vulnerabilidade social; outras negações vêm a partir daí: M. tem 25 anos, quatro filhos, a morte da mãe alcoólatra “afogada” em uma fossa e a memória do abuso sexual que sofreu do pai, mora em uma vila localizada na rua de terra sem saneamento, no Grande Bom Jardim, é cercada pelo nada dos terrenos baldios e do tempo que morou em abrigo. M. abandonou ainda a escola, na sétima série, e a sobrevivência é o sim que ela própria se dá: trabalhou como faxineira; fez marmitas, sequilhos e lanches; refez-se empregada doméstica; hoje; “negocia” eletrodomésticos seminovos. E até curar a crise intestinal de um dos filhos, M. adiou o sonho de montar um churrasquinho na esquina da vila.

A história essencial de M., contada por ela, é a extensão de uma pesquisa que faz uma ponte até o viver e o querer das juventudes que políticas públicas de inserção no mercado de trabalho ainda não alcançam. “Eles dizem não ao não” retrata pessoas entre 16 e 29 anos, do Grande Bom Jardim – periferia configurada como o quarto bairro mais vulnerável de Fortaleza e onde a juventude é a maior parcela de moradores (60%) – , que nem estudam, nem trabalham de maneira formal e nem estão procurando emprego, conhecidas como a Geração N: um universo de quase 700 mil jovens no Estado, segundo espelha o estudo.

A pesquisa foi encomendada pelo Instituto Dragão do Mar ao Laboratório das Artes e das Juventudes da Universidade Federal do Ceará (Lajus/UFC) e em parceria com o Instituto Oca. Cerca de 22% dos jovens moradores do Grande Bom Jardim nem estudam e nem trabalham (“nem, nem”); outros 14,4% nem estudam, nem trabalham e nem estão procurando emprego (“nem, nem, nem”). As mulheres são desse público, em relação aos homens, destaca a pesquisa.

Aproximando-se desse território, o estudo do Lajus/UFC entrevistou 150 pessoas, entre setembro e outubro de 2018: 54,4% dos entrevistados se identificam como jovens “nem, nem” e 45,6% como “nem, nem, nem”. Um dos dados que chamam a atenção revela que 47% dos jovens “nem-nem-nem” têm o fundamental incompleto. A baixa escolaridade impacta nas oportunidades de trabalho. A maior parte dessa Geração N local – 66,6% – é do gênero feminino e se reconhece parda ou preta – 79,33%.

O estudo chega às juventudes da periferia pelo mesmo caminho da vulnerabilidade social que as violências alcançam esses jovens. Um desafio inicial da equipe de sociólogos e antropólogos pesquisadores “foi o de transpor distâncias, desconfianças, recusas e assim ultrapassar abismos que parecem lançar essas/esses jovens para territórios inacessíveis, que se forjam de costas para as instituições e interlocutores ‘formais'”, descreve a socióloga Glória Diógenes, coordenadora do Lajus/UFC. Conduzidos por lideranças locais, pelo respeito e pela escuta, foi preciso ir até as fronteiras de vidas esgarçadas por negações de direitos e acuadas por medos cotidianos.

“Entre 2014 e 2018, o número desses jovens triplicou. O que é esse afastamento do mercado de trabalho e da escola? Fomos buscar as razões”, aponta Glória. Um dos pontos de chegada, ela demarca, é o desejo que os jovens da Geração N têm de trabalhar no que imaginam e não no que políticas públicas distantes oferecem a eles. E de cuidar uns dos outros – dos filhos, dos pais – como ainda não foram cuidados. “Que essa pesquisa possa avivar os sonhos, que esses sonhos possam ser traduzidos e ganhar lugar nas políticas públicas e nas escolas”, ecoa a socióloga.

Lugar
Para a pesquisa “Eles dizem não ao não”, foram entrevistados jovens dos bairros Bom Jardim, Canindezinho, Granja Lisboa, Granja Portugal, Jardim Jatobá, Santa Cecília, Santo Amaro e São Vicente. Na região do Grande Bom Jardim, mora 8,33% da população de Fortaleza, considerou o estudo. 

Fonte: O Povo Online

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