Pesquisa inédita sobre refugiados no Brasil revela boa formação escolar

A maioria dos refugiados no Brasil trabalha, tem nível de escolaridade acima da média brasileira e, apesar das dificuldades que enfrenta, buscaria mais uma vez o país, caso precisasse novamente de guarida. Muitos deles também manifestam que querem prosperar no país através do empreendedorismo. E, embora, por um lado, alguns tenham a alegria de estabelecer laços afetivos com brasileiros, por outro, uma parcela ainda sofre discriminação, ganha pouco e desconhece seus direitos.

Isso é o que revela o estudo Perfil Socioeconômico dos Refugiados no Brasil, que seria lançado ontem (30), na Universidade de Brasília (UnB), pelo Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (Acnur) e pela Cátedra Sérgio Vieira de Mello (CSVM), vinculada ao organismo. Ao longo de oito meses, os pesquisadores entrevistaram 487 pessoas nessa situação, que residem em oito estados brasileiros que absorvem 94% dos refugiados no país. As unidades federativas que concentram esse volume são: São Paulo, Rio de Janeiro, Paraná, Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Minas Gerais, Distrito Federal e Amazonas.

Do total de pessoas que participaram da consulta, 71% eram provenientes de quatro países: Síria (31,4%), República Democrática do Congo (23,8%), Angola (8,6%) e Colômbia (7,3%). Além disso, 404 entrevistados (83,1%) entraram no país depois de 2010. Como explica o Acnur, os venezuelanos não foram incluídos na pesquisa por não serem considerados refugiados pelas autoridades brasileiras. Quase um terço (28%) dos entrevistados não declarou gênero. Entre os que informaram, 48% são homens cisgênero e 23% mulheres.

No recorte do perfil educacional dos refugiados entrevistados, apenas 2,7% (13) não concluíram o ensino fundamental e 0,6% (3) são analfabetos. Observa-se, na outra ponta, que grande parte das pessoas que tem seu pedido de refúgio aceito pelo governo brasileiro possui alta qualificação. No total, 34,4% (166) concluíram o ensino superior ou mesmo chegaram a cursar uma pós-graduação, seja ela na forma de especialização, mestrado ou doutorado. Ao fazer uma comparação, o Acnur assinala que, entre brasileiros, 15 em cada 100 pessoas têm diploma universitário ou um título adicional, como o de especialista, mestre ou doutor. Quase metade dos entrevistados (49,6%) concluiu o ensino médio.

Apesar do nível elevado de formação do refugiado, o Acnur chama a atenção para a necessidade de as universidades federais públicas providenciarem a revalidação dos diplomas dos refugiados. Apenas 14 refugiados declararam ter seu diploma de graduação formalmente reconhecido no Brasil, o que pode caracterizar um impedimento para ter acesso a condições de vida melhores.

A falta de revalidação de diploma universitário pode explicar a distância que há entre a atividade profissional que desenvolvem e a sua formação ou habilidades. Dentre os entrevistados, 68,2% (315) não aproveitam suas aptidões ou técnicas que aprenderam nos atuais trabalhos. Do universo que respondeu a questão, apenas 31,8% (147) as empregam.

A pesquisa identificou que 57,5% (280) dos entrevistados trabalham, 19,5% (95) estão à procura de emprego e 5,7% (28) não estão empregados nem estão procurando emprego. Sobre esse aspecto, o Acnur escreve que, “no total, portanto, 123 entrevistados (25,2%) de nossa amostra estão fora do mercado de trabalho, um número bastante preocupante se lembrarmos que se trata de população muito vulnerável, obrigada a deixar seu país de origem em condições de grande fragilidade e que não está conseguindo gerar renda no país de destino”.

Apesar de 92,2% dos refugiados falarem português, a falta de domínio do idioma foi citada 148 vezes como um obstáculo para entrar no mercado de trabalho. Já o fato de serem estrangeiros foi mencionado 99 vezes como um entrave para acesso ao mercado de trabalho.

A vontade de investir em um projeto empreendedor foi outro elemento trazido pela equipe de pesquisadores. Essa disposição foi afirmada por 79,3% dos entrevistados (386). Os impedimentos para empreender no país são a falta de recursos financeiros (302 dentre 386 informantes ou 78,2%), a falta de apoio técnico (24,3%) e o desconhecimento de procedimentos burocrático-legais sobre como abrir um negócio (19,7%).
Em um capítulo dedicado à descrição dos gastos domésticos e das condições de habitação dos refugiados, o Acnur informa que 79,5% dos entrevistados (314) têm renda familiar inferior a R$ 3 mil, sendo que 95 deles vivem com até R$ 1 mil. Hoje, o salário mínimo vigente no Brasil é de R$ 998.

Segundo o Acnur, dentre os entrevistados, 67% (314) afirmaram que seus proventos não cobrem as despesas correntes. Para 38,8% deles, a solução para a insuficiência de renda está em trabalhar mais. Outros 22% buscam reduzir os gastos com alimentação, como saída para o problema, enquanto 16,8% fazem compras ou pagamentos a crédito e 16,2% recorrem a empréstimos.

A exiguidade de dinheiro preocupa também por outro motivo: praticamente metade dos entrevistados (233 ou 49,9%) envia recursos a seus familiares ou, então, recebe deles, para poder sobreviver. O percentual maior é visto entre aqueles que dão uma contribuição (69,55% do total de 243) do que o registrado entre os que recebem dinheiro (24,3%).

Outra questão abordada no estudo diz respeito ao conhecimento que os refugiados detêm sobre seus direitos básicos. Pouco mais de um terço (33%) está “integrado juridicamente”, por não saber quais são os direitos e deveres inerentes à sua condição de refugiados, e outro terço acentuou que não está perfeitamente inteirado do assunto.

Os serviços públicos de saúde, são os mais utilizados por 444 refugiados entrevistados (91% do total da amostra), acompanhados dos serviços educacionais (201 refugiados ou 41%). “Os serviços de assistência social são igualmente pouco acessados: apenas 93 refugiados (19% do total da amostra). Finalmente, 71 refugiados (14,6% do total da amostra) declaram acesso a algum tipo de serviço da Previdência (seguro-saúde; seguro-maternidade, etc.), número inferior mesmo àqueles que contribuem para a previdência social (34% de nossa amostra total)”, adiciona a agência.
Também no âmbito da cidadania, 41% dos refugiados (200) relataram às equipes do trabalho de campo que já sofreram algum tipo de discriminação. O fato de ser estrangeiro foi o ponto mais citado como origem da hostilidade para 147 deles (73,5%).

A análise permitiu ainda que se observasse um conjunto de comportamentos ou percepções dos refugiados. Um exemplo diz respeito a relacionamentos amorosos. Descobriu-se pela pesquisa que a chegada a um novo país tem proporcionado a muitos deles a ampliação de experiências também no âmbito afetivo, já que a maioria mantem relacionamentos amorosos com brasileiros ou brasileiras.

No total, 20,55% (99) comunicaram ter vínculos dessa natureza – 62 namoravam ou estavam noivos e 25 se casaram com alguém do país. Isso se reflete também no percentual de refugiados que diz ter interesse em obter a nacionalidade brasileira (96,3%).

Para o Oficial de Meios de Vida do Acnur, Paulo Sergio Almeida, a pesquisa divulgada, ao repercutir informações como os 91% dos refugiados que revelam ter amigos brasileiros. “Os dados são muito importantes porque evidenciam o potencial que essas pessoas têm, tanto do ponto de vista educacional, da sua formação e sua experiência profissional, como do domínio de idioma e idade produtiva. Tudo converge para uma população que tem alto potencial de integração e contribuição ao próprio desenvolvimento. E isso se junta a uma questão de que é uma população que conseguiu estabelecer laços com a comunidade brasileira. A maioria relata que tem amigos, há casos de casamento, e se vê claramente que tem um processo em marcha, apesar de várias dificuldades que a pesquisa também aponta”, diz.

“E isso se reflete no desejo de permanecer no Brasil. Ao investir sua vida aqui, ao ter uma caminhada no sentido de melhorar sua condição econômica, estabelecer relações sociais aqui. Isso me parece bastante importante”, emenda.

Fonte: Agência Brasil

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