Durante o trabalho em meio à pandemia do coronavírus, profissionais da saúde enfrentam uma carga ainda maior de estresse. Para alguns, a pressão de cuidar e salvar vidas é uma constante, assim como o desgaste psicológico e a ansiedade.

A circunstância da epidemia, de acordo com a psicóloga Anice Holanda, faz parte do âmbito de emergências e desastres, área da psicologia que possui métodos específicos para atender pessoas que estão com sofrimento psíquico devido a uma situação externa, concreta e que afeta a todos. Ela trabalha no Hospital Infantil Albert Sabin (Hias), onde foi montado um plano de contingência para atender os profissionais da saúde da unidade nesse período.

“É algo diferente. A pessoa que está buscando esse serviço agora não está começando um processo de psicoterapia. Ela está sendo atendida naquele momento em que os aspectos emocionais se intensificam e podem estar bloqueando suas habilidades profissionais. A importância de se acolher nesse momento contribui para a eficácia da melhora”, explica.

Para atender os profissionais nesse perfil, segundo ela, é utilizada uma área de conhecimento chamada psicoterapia breve focal, desenvolvida décadas atrás durante um período de pós-guerra. “Essa área tem a capacidade de organizar o olhar do psicólogo para uma certa hierarquia de sintomas, a fim de conseguir fazer um diagnóstico rápido dos pontos que mais bloqueiam o equilíbrio da pessoa, para ela estar na função onde precisa estar”, pontua.

O processo atenua a ansiedade, minimiza os sintomas e contribui para que o profissional da saúde possa reaver o equilíbrio e se manter na rotina. O atendimento também serve como medida preventiva para a saúde mental, evitando que o quadro psicológico piore.

“Existem profissionais da saúde que já tinham transtornos leves ou moderados antes da epidemia. Então é necessário um cuidado maior para que essas pessoas consigam manter os seus tratamentos em dia. A psicoterapia online, que foi regulamentada, permite isso. Se for tratamento psiquiátrico, é bom checar se o médico está fazendo teleatendimento”, diz.

Anice Holanda destaca que o momento é de alerta para a importância de se cuidar, entender o valor de manter um tratamento que já vinha sendo feito, perceber que não está só e buscar suporte profissional.

Medo
“A primeira morte de paciente nunca saiu da minha cabeça”, conta Francisco Furtado Neto. A experiência no início da carreira como médico, há cinco anos, foi parte do aprendizado necessário para “adquirir resistência” no trabalho. Hoje, aos 32 anos, ele é diretor das Unidades de Pronto Atendimento (UPAs) dos bairros Bom Jardim, Vila Velha e Edson Queiroz. “Ninguém se acostuma com a morte, mas a gente vai aprendendo que isso faz parte do ciclo da vida. A gente tenta evitar que aconteça, ou pelo menos aliviar a dor desse momento, dar mais conforto ao paciente quando é inevitável”, diz.

Ele relata que, no atual contexto, a dificuldade em lidar com a perda une-se à preocupação em se contaminar com o novo vírus e o risco de transmiti-lo para outras pessoas. O que causa mais medo, porém, é ver crescer o número de mortes por dia, como aconteceu em outros países. “Temos muitos pacientes já entubados, outros ainda em suspeita. A profissão em si já causa um pouco de ansiedade, e nesse caso só aumenta”, afirma o médico.

Fora da unidade de saúde, pesa mais ainda a saudade dos familiares. Os parentes de Francisco Furtado Neto continuam em isolamento no município de Barbalha, sua cidade natal, e o contato agora é restrito às ligações e videochamadas. A falta dos sobrinhos, que ele via pelo menos uma vez por semana, agora é notável. O último encontro aconteceu há quase 25 dias.

Há dois meses, o médico iniciou sessões de terapia com uma psicóloga. O atendimento é feito pela internet semanalmente, por uma hora, e, segundo ele, vem ajudando bastante. “Ela reforçou que era muito importante fazer essas sessões nesse momento. Por mais que a nossa classe já esteja lidando com pressão desde a faculdade, agora é como uma situação de guerra sem armas. Essas questões ficam sempre martelando na nossa cabeça. E é impossível não pensar nas pessoas com menos condições sociais, que não podem fazer o isolamento social de maneira confortável. A gente tenta ajudar”, revela.

Sessões online
Além da frequente ansiedade, as situações adversas da epidemia podem gerar sensação de fraqueza, despreparo e exaustão emocional, conforme explica a psicóloga clínica Noália Araújo, professora de Psicologia da Universidade de Fortaleza. A principal recomendação a esses profissionais da saúde, segundo ela, é buscar ajuda por atendimentos online.

“Acredito que podemos tentar contribuir para minimizar esses impactos psicológicos. Fazemos essa escuta ativa e mais qualificada para quem precisa”, diz. “Esse atendimento tanto pode ser individual, ou em grupos online, para quem preferir”.

Ela indica, ainda, a busca por atividades que possam servir como distrações em casa, durante o isolamento e fora do horário de trabalho. Yoga, exercícios, pintura e leitura são exemplos. “Além disso, buscar fontes precisas, como a própria Organização Mundial de Saúde (OMS), ao invés de consumir esse bombardeio de mensagens em grupos de WhatsApp, com informações muitas vezes falsas. É bom sair desses excessos. Procurar ler sobre assuntos diferentes do que se está acostumado”, destaca.

(G1 CE)

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