Pesquisa sobre propagação da Covid-19 causa impasse no interior

A morosidade e até ausência no diálogo entre o Ministério da Saúde (MS) e secretarias de saúde de pelo menos 75 cidades brasileiras prejudicou a realização de uma pesquisa nacional, realizada pelo Centro de Pesquisas Epidemiológicas da Universidade Federal de Pelotas (UFPel), a pedido do MS, cujo objetivo é levantar informações acerca da propagação do coronavírus no Brasil.

No Ceará, quatro municípios tiveram registros de problemas com equipes – selecionadas pelo Instituto Brasileiro de Opinião Pública e Estatística (Ibope) – que realizam a coleta de dados.

As dificuldades estão sendo impostas tanto por prefeituras, que dizem não ter sido comunicadas pelo Ministério da Saúde sobre a realização da pesquisa, quanto pelo receio da população, que teme se tratar de algum “golpe”.

Em Iguatu, cidade do Centro-Sul que tem 83 casos confirmados da doença, uma equipe foi conduzida à delegacia de Polícia Civil. “Depois de várias horas na delegacia, fomos expulsos, escoltados até o limite da cidade como se fôssemos criminosos”, criticou a pesquisadora Eubenice Uchoa. Ela integra o Instituto Pesquisa Nordeste, um dos três institutos especializados em pesquisa de opinião no Ceará que foi contratado pelo Ibope. Apesar do incidente, Eubenice disse que as pesquisas não irão ser paralisadas. “Vamos regularizar a situação e retornar à cidade para concluir o trabalho”.

Já o delegado titular de Iguatu, Wesley Alves, disse que a equipe “vai responder judicialmente por colocar em risco à saúde da população e por prática de exercício ilegal da profissão”. As secretarias de Saúde de Crateús, Iguatu, Juazeiro do Norte e Sobral alegam que não receberam comunicado do Ministério da Saúde. “Não fomos informados”, disse o gestor da Saúde de Iguatu, Georgy Xavier. “Aqui também não houve comunicação prévia”, confirma a secretária de Crateús, Elizabeth Machado.

A exceção ocorreu em Quixadá, onde não houve registro de nenhum problema. Em nota, a Secretaria da Saúde do Município esclareceu que recebeu o comunicado do Ministério sobre a pesquisa. Por lá, a primeira etapa já foi iniciada. Esta fase consiste em ouvir 250 moradores sobre isolamento social e o estado de saúde de cada um deles. Ao fim do questionário, a equipe aplica um teste rápido para Covid-19 (sorologia), que detecta se a pessoa já teve a doença.

Em todo o País, o teste será aplicado em 99.750 pessoas de 133 municípios. Do total de cidades, segundo o reitor da UFPel, Pedro Hallal, 75 tiveram algum tipo de problema. “Em alguns casos chamaram as forças de segurança”.

Em Juazeiro do Norte não foi decretado prisão dos pesquisadores, mas o trabalho teve que ser interrompido. “A equipe voltou a Fortaleza e estamos oficializando todos os termos para podermos desempenhar nossa pesquisa”, explicou Eubenice.

Na cidade de Sobral após impasse inicial causado por denúncias de moradores, a Secretaria da Saúde entrou em contato com o Ministério e a pesquisa foi liberada. No entanto, apesar do aval da Prefeitura, os pesquisadores relatam dificuldades para executar o trabalho. “A situação está complicada, há ‘fake news’ nas redes sociais e moradores rejeitam participar”, relatou a pesquisadora Joana Porto.

Crítica
A presidente do Conselho das Secretarias Municipais de Saúde do Estado do Ceará (Cosems), Sayonara Moura, avalia como grave a forma como o estudo foi iniciado sem comunicação às prefeituras e sem triagem nos profissionais que participam da atividade.

“É muito grave. Eles (equipe de pesquisadores) não são técnicos e nem muito enfermeiros, portanto há indícios de exercício ilegal da profissão, além do risco para a saúde das pessoas”, frisou. Joana Porto, no entanto, garante que as equipes foram treinadas pelos institutos.

Em Iguatu, onde a equipe foi levada para Delegacia no fim da semana passada, Sayonara denuncia que “eles não estavam usando equipamentos de proteção individual”.

Além disso, a presidente do Cosems questionou a ausência de uniformes padrões, o que garantiria maior credibilidade à pesquisa. “Alguns usavam bermudas e, o mais grave, não sabiam onde descartar o material”, denunciou.

Para Sayonara, esses problemas enfrentados, não só no Ceará, mas em outras regiões do País, “demonstram o desgoverno, a falta de planejamento, descontrole e desperdício de dinheiro público”.

(Diário do Nordeste)


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